Maria Goreth Serra de Sousa
AFLAM - Cadeira 5
AFLAM - Cadeira 5
Da margem do rio em escalas com as linhas do horizonte, erguiam-se esguichos, alvoroços, zumbidos das cigarras. Elas vinham freqüentar aquele castelo infiltrado no dorso comprido da floresta. No oco das ancas da vegetação, pinheiros com suas clorofilas inocentes, sorriam ao nascer daquelas noites suculentas, abarrotadas de orvalho. Ali, cada grão de areia portava um significado próprio com centenas de gestos, formas, verdades.
Agora eu, Letícia, compreendo o gotejar da soleira, tão simples... A chuva entrecortando o vôo dos anus incomodados pela umidade. Tudo hoje está tão azul, as fileiras de boa-noite, todos os meus membros. Neste castelo que habito, se materializa uma lembrança que, cabisbaixa, o dormir, cobre-se de folhas de jornais, vidas e sentimentos lidos anos afora. Queria com meus dedos poder tocá-la no amanhã, mas o amanhã não existe. O amanhã fora tragado pelo milagre inebriante dos desejos que retenho. Tanto néctar minhas taças possuem. Tua face, durante anos carrego em forma de dúvida. Sinto a vibração da tua voz. Grandes ondas de desejos, dissipadas e soltas no eu ser sensível e bom. No amanhã, te direi como são feitos estes delírios e congelarei estes novos sentidos de agora. a paisagem que dá para a última passarela do castelo, move-se rápida e lenta. Sabe que a muralha e o fosso guardam lembranças e inquietações de Antero e Letícia. Havia um arco de chumbo, ama rosa cor de púrpura esculpida nos cipós das trepadeiras. Sementes de lírios, girassóis ornados envoltos a uma vitória-régia.
Assim apresentavam-se os aposentos de Letícia. Algumas fotografias corridas pela maresia. Artério, o velho lobo do mar, aparecia numa caixinha de recordações, inerente sobre o móvel de estimação da dona do aposento. Na sua viagem pelos corredores do castelo, Letícia observava os ninhos de bem-te-vi, raposas penhas, surucucus sonolentas. Lembra com intimidade do amor que Artério a ofertara no cais de Antonieta dos Mares. Fecha a caixinha do porta-retrato, sopra firme na fotografia do marinheiro, transportando a poeira para além das muralhas cobertas por um lodo colossal.
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