domingo, 24 de junho de 2012

A SAGA DA FRONDOSA OLIVEIRA

 Joana d´Arc Fernandes Coêlho
 AFLAM – Cadeira 21
      Há um tempo de duração para cada espécie de vida, no planeta Terra, seja animal e/ou vegetal. E, na construção dinâmica dessas vidas sempre se estabelece de várias formas, o estado de coisas circunstanciais e existenciais.         
      A lenda conta que a origem da Oliveira surge de uma disputa entre duas divindades: Poseidon, rei dos mares e Palas Atenas deusa da sabedoria, que disputavam a conquista de terras. Os deuses decidiram que aquele que apresentasse aos mortais um presente de utilidade, seria o vencedor.  Poseidon fez surgir das águas um belo e forte cavalo, e Palas Atenas por sua vez oferece a Oliveira capaz de produzir óleo para iluminar as noites e suavizar a dor dos feridos, fornecendo alimento rico em sabor e energia. Os deuses decidiram que a  Oliveira era mais útil aos mortais, passando, por esse motivo, a ser conhecida como símbolo da vitória, da paz e da prosperidade. É uma das plantas mais antigas da Terra, cultivadas pelo homem. Não possui tradição no Brasil. A Oliveira cientificamente é conhecida como Olea europaea L., (família Oleaceae).
     Numa certa época de um longínquo tempo, existia num determinado espaço urbano, uma casa ladeada de um grande quintal localizada numa cidade, que se fundia com a paisagem fenomênica da mãe natureza. Entre a cidade com os seus movimentos e os mistérios do céu onde o sol, a lua, as estrelas e outros seres que se movimentavam pelos ares, e que conviviam através de uma agradável atmosfera, havia uma bela e frondosa árvore de Oliveira produzindo e beneficiando o seu habitat.
     A sua história aconteceu nesse pequeno espaço, de um convívio doméstico, urbano sendo cuidada e acolhida com muito zelo, pelos seus proprietários, pelos pássaros e insetos já que alguns faziam dela a sua morada diuturna.
    Conta-se que a frondosa Oliveira pode conviver em harmonia nesse ambiente bem diferente do seu habitat de origem, durante certo tempo, assegurada por um forte elo de cumplicidade com a mãe natureza e a sua complexa potencialidade, sem temer a ação antrópica do homem. A Oliveira mesmo pertencendo ao mundo das árvores nativas do Mediterrâneo, conseguiu adaptar-se e conviver nesse ambiente doméstico, urbano, totalmente adverso ao seu habitat nativo. 
    De estrutura exuberante, a Oliveira nasce, cresce e floresce de acordo com a sua constituição natural composta por um tronco de crescimento lento, mas de grande duração; de folhas perenes e semidecíduas, com flores anemófilas (polinizadas pelo vento) responsáveis pela produção dos frutos, que são as azeitonas verdes ou pretas, tão bem aproveitadas pelo homem. Sustentada por uma raiz com uma profundidade de aproximadamente seis metros, a árvore completava a beleza da ambiência natural, desse espaço urbano, favorecendo ao arejamento do clima, através das sombras que formava e pelo farfalhar de seus ramos. Não só beneficiava o clima, mas também servia de guarida para os pássaros com seus ninhos e filhotes, para as lagartixas e camaleões que deslizavam sorrateiramente, nos seus galhos, em busca de esconderijo e alimento.
    Mesmo convivendo em harmonia com esse ambiente adverso, de domínio do homem, a árvore sabiamente, manteve um pacto simbiótico com os fenômenos da mãe natureza envolvendo os quatro elementos: a água, a terra, o ar e o fogo estendendo uma salutar comunicação com outros seres vivos, os animais e as pessoas.
    Da profundidade da terra buscava a água fator essencial à vida, seu principal alimento, e os nutrientes necessários à sua sobrevivência. O alimento da água não só provinha do subterrâneo, mas também das chuvas que caiam na época do chamado inverno, que correspondiam aos meses de janeiro a junho. A água das chuvas trazia para a Oliveira grandes benefícios, tanto para o alimento de sua raiz como para lavar suas folhagens, flores e frutos, tornando-a alvissareira, permitindo um futuro auspicioso, sem interrupções, não só para ela, mas também, para todos aqueles que viviam nesse ambiente. Ela também sabia que há uma troca de favorecimento ao meio ambiente proveniente tanto pelas árvores como pelas chuvas. As árvores absorvem as águas das chuvas tão essenciais à formação de nuvens que provocam novas quedas pluviométricas, para beneficiarem outros lugares. No período não chuvoso a Oliveira era regada pela mão humana, com o propósito de mantê-la saudável e com a capacidade de sustentar toda a sua estrutura e produção.
No seu diálogo com a chuva ela diz:
    - Com suas águas eu me refresco, e todo o meu conjunto é revitalizado. As minhas flores ficam mais perfumadas e conseguem produzir melhores frutos; as  azeitonas se tornam mais viçosas, saborosas e, ficam mais desejadas pelos pássaros, insetos, entre outros animais como também, pelas pessoas; as minhas ramagens se tornam mais limpas e morrem menos. E a minha raiz? Ah! Como fica feliz, fortalecida e melhor hidratada, concorrendo para me tornar cada vez mais sadia e suportar toda a carga a mim destinada pela natureza. Embora as águas da chuva ou de outra fonte, sejam tão importantes para a sobrevivência de todos os organismos vivos, é bom lembrar que o meu potencial de árvore favorece a queda pluviométrica, por isso nos completamos.
     O vento soprava em várias direções, criando uma comunicação silenciosa, cheia de mistérios, eclética e imprevisível. Isso porque, mesmo sabendo estar segura da profundidade de suas raízes, ela temia ser derrubada pela violência, maneira que em muitas ocasiões, o vento nordeste soprava fenômeno comum nas tardes do sertão nordestino. Mesmo com esses temores naturais, procurava recepcionar o vento, pois entre eles havia uma conivência salutar, quando com o seu lufar ameno sacudia os seus galhos limpando-os das folhas secas, que flutuavam por toda área do quintal, balançando com suavidade os galhos e ramos pesados de folhas, flores e frutos.
     A aurora resplandecente irrompe com um novo dia. Tudo é despertado pelo clarão dos raios do astro rei, como se fora uma tocha de fogo trazendo o fulgor, a alegria e a esperança da prorrogação da vida de todos os seres da Terra. O chilrear dos pássaros faz a saudação ao novo dia, ajudando no despertar da Oliveira, que agradece cumprimentando o sol dizendo:
     - Como sou privilegiada. Recebo fortuitamente, dos fenômenos da mãe natureza a ajuda para me manter viva e saudável. Do astro sol recebo a energia suficiente que me mantém revigorada e cheia de saúde, a sua luz fortalece a minha raiz, evitando deixá-la atrofiada ou apodrecida, o que me faria cair por terra.
     Experenciando todas as ocorrências do dia, a Oliveira percebe que o ocaso começa a chegar, o que significa que o dia vai-se indo. O sol de tamanho avantajado, vermelho da cor de fogo, começa a sumir se confundindo com o horizonte, e despede-se do dia. A Oliveira reverencia o sol pela contribuição de mais um dia como se dissesse:
     - Obrigada amigo, cúmplice de minha exuberante existência mantida pela beleza das minhas folhas verdes, das flores perfumadas e pelos frutos de polpas carnudas, saborosas e ambicionadas como alimento, pelos pássaros, por outros animais e pelas pessoas.
O astro rei na sua empáfia limita-se a dizer:
     - O meu potencial energético trás grandes benefícios necessários à manutenção da vida de todos os seres do planeta Terra.
     O ocaso se iniciava. A claridade se esvai devagar, rendendo-se ao domínio da noite onde impera a escuridão, parte do complexo cenário da mãe natureza.
     Uma nova comunicação se inicia, dando lugar a outro diálogo que será encetado pela árvore com a misteriosa noite. O céu da noite se fixa na paisagem de um firmamento que surpreende camuflando a total escuridão, que ora resplandece com o brilho das estrelas, ora pelo romântico clarão da lua cheia, situadas a milhões de distancia. Mas, essa distancia não interrompe o poder de comunicação da Oliveira que está entre a Terra e o céu.
     Os brilhos das estrelinhas piscam tal quais os pirilampos iluminando o céu, lançando sobre a Terra reflexos que indicam que serão suas companheiras das noites. Das estrelinhas mesmo da grande distância, flui uma sonora conexão telepática, como se dissessem:
     - Boa noite frondosa árvore, não tema a escuridão, somos as guardiãs, vigilantes das noites. Embelezamos o céu com os nossos brilhos, e sempre piscando transmitimos alegria e luzes ao planeta Terra. Imagine, chegamos a ser verdadeiras guias das noites, tal qual foi a estrela de Davi.
     Os piscos das estrelinhas se confundem entre elas, como se estivessem brincando de pula-pula, chispando de um lado para outro, como se estivessem fazendo o contorno da beleza do firmamento. Há um silêncio absoluto. Tudo e todos que habitam o planeta Terra dormem. A Oliveira também dorme. Chega à vez da noite de luar. Admirada com a beleza da lua e sem procurar muitas explicações sobre os fenômenos incidentes da natureza, antes do total recolhimento, saúda a lua com uma agitação dos seus ramos e galhos dizendo:
     - Boa noite satélite de luz incandescente e de beleza fulgurante, que torna as noites da Terra mais bonitas e românticas. A lenda aqui na Terra diz que você acolhe São Jorge, que luta com o dragão. Há muitos mistérios entre o céu e a Terra, por isso é que não existem explicações sobre os fenômenos originários da mãe natureza. Pela admiração que tenho pelos mistérios que lhe circundam, pergunto a mim mesma: Serei eu, uma selenita, de tanta admiração que tenho pela sua beleza? Quão belo é o clarão da lua visto pelo planeta Terra. Numa profunda reflexão, conclui que a noite que trás a escuridão, contraditoriamente, fornece luzes e brilhos originados pelas suas ocupantes: as estrelas e a lua.
     Depois desse diálogo proveniente de uma linguagem fantasmagórica, entre a Oliveira e os ocupantes do firmamento, dominada por uma sensação de paz e harmonia, alinha a sua folhagem, suas flores e frutos, e começa a dormir. Os seus ramos e galhos não farfalham, também silenciam em respeito ao clímax que envolve a noite. Tudo é silencio, só resta esperar por um novo dia.
     A Oliveira durante muitos e muitos anos enfrentou e conviveu com as adversidades de todos os tempos como as chuvas fortes, secas, a energia dos ventos, ventanias, calor, poeira, sem perceber que as épocas passavam e, as ideias e ações dos homens já não eram mais as mesmas. Os movimentos da cidade provinciana preanunciavam a chegada do progresso através das pesquisas e descobertas científicas e tecnológicas, com resultados perseguidos e ambicionados pelos homens. Pouco importava as consequências que poderiam advir e prejudicar o meio ambiente. A Oliveira não dava conta das mudanças que de forma célere ocorriam na humanidade, afetando as condições e os contextos ecológicos do planeta Terra, pois a sua ideia se fixava no valor e na potencialidade de uma árvore longeva em que muitas chegavam a completar a plenitude de um ciclo de vida de 2.500 anos. 
     O século XX chegava com grandes revoluções científicas e tecnológicas. Mas a Oliveira mantinha-se na conexão fenomênica como os fatores essenciais da mãe natureza para garantir a sua sobrevivência, esquecendo-se da ação dos homens sobre a Terra.
Era grata aos seus proprietários, donos da casa do quintal grande que sempre a manteve saudável e plenamente aceita. Nunca fora incomodada no seu ciclo de vida. Sentia-se muito bem cuidada e, em muita das vezes se via exibida pelos seus donos, como uma árvore bela, produtiva e sedutora. Sempre vaidosa, em conivência com os fatores da Terra, procurava dar o que tinha de melhor. Em relação aos seus donos pensava:
      - Acho que eles me consideram o complexo de um Verde belo, dominante, e de longa vida, que faz parte do cenário da Gaia, sistema em evolução constituído por todos os seres vivos e sua complexidade. Faço parte e contribuo para o beneficiamento desse imenso sistema.
      A saga da Oliveira continua, parecendo calma, sem muitas alterações. Mas tudo vai se modificando. Chega o dia em que seus donos já não podem permanecer na casa. Era preciso vendê-la. A ciência da construção passa a ser prevalente, imperativa. A paisagem urbana tende a se modificar, O modelo de casa antiga não pode mais permanecer. É preciso modernizar o modelo arquitetônico das casas urbanas. De repente a Oliveira se vê ameaçada. Sente que sua vida corre o risco da extinção. Nada pode fazer. Não sabe como se defender da ação antrópica do homem. De frente aos instrumentos destruidores como a serra elétrica, o machado, a foice pensa:
      - Que pena a minha saga poderia continuar por muitos anos, mas vejo que não haverá mais tempo para me manter plantada nesse pequeno espaço urbano. Tão útil que sou ao homem! Mas...,  eles não querem entender. Não existe mais sentimento afetivo, o uso da razão é imperativo.  A ânsia dos homens pelas mudanças oriundas do progresso é muito forte.  Não entendem que uma árvore do meu porte tinha que ser preservada,  pois tanto sou importante para a vida dos homens, como para a preservação de uma atmosfera saudável ao meio ambiente. A minha espécie tem vida muito longa, vivemos bastante, sempre produzindo em benefício à vida dos seres vivos.

Continua pensando:
    - Os homens da modernidade estão deixando-se levar pelo domínio da deusa razão, e não entendem que esse mecanismo imperante gera uma autodestrutividade contínua. É preciso que o nível de consciência ecológica da humanidade se eleve, para evitar a mutilação da mãe Terra, com a construção da selva de pedra e pela acumulação do lixo. O homem ainda não entendeu que a mãe Terra chora, embora saiba que não poderá ficar de braços cruzados vendo a sua destruição.
    A Oliveira ainda refletindo encerra a sua saga dizendo:
    - A minha saga de tantos momentos de alegria e júbilos, tem um fim funesto, submetido à força poderosa dos homens e seus inventos. A imperatividade dos homens se dá pelo uso exclusivo da deusa razão, tornando-os poderosos e soberbos sem, contudo dar o mérito a quem merece – nesse caso, a mãe Terra. Homens,  pensem! Salvemos o futuro do planeta Terra. Logo serei uma espécie extinta, no habitat onde nasci. Assim digo, com a minha programada extinção o mundo ficará mais empobrecido, tornando-se mais vazio, mesmo que eu não tenha partilhado para o desenvolvimento econômico do meu pequeno universo, doméstico/urbano. Mas, sei que com a produção dos meus frutos alimentei os pássaros que conviviam no meu habitat e favoreci ao meio ambiente com a melhoria do clima da cidade.  
     Enlevada pela pureza dos seus sentimentos de amor á natureza e ao seu universo, aonde viveu por muitos anos, a Oliveira deixa uma mensagem achando que poderá servir de advertência para o futuro da humanidade:
     - Que pena! O meu destino é o reflexo das ações impensadas do homem moderno. Detentor do poder o homem se torna soberbo e absoluto, não pensa em compreender a natureza, se aventurando sem medir as causas e as consequências que poderão advir de suas ações contra o meio ambiente, provocando assim, o próprio infortúnio da humanidade. 

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