quarta-feira, 28 de novembro de 2007

JORNALISTICAMENTE INCORRETO

Izaíra Thalita da Silva Lima
AFLAM - Cadeira 8

        Precisão. Impessoalidade. Distanciamento. Perspicácia. Senso crítico.
       Jornalistacamente falando, diante da máquina eu sou ‘a terceira pessoa’, aquela que fica distante e que relata o fato, sem envolvimentos. Diante da máquina, preciso dizer que não sou eu, a pessoa que escreve, mas sim a profissional. Do lado de fora, do outro lado da porta ficou um pedaço meu, que não pode se revelar para o mundo, que fica me aguardando para que, somente depois do expediente possa refletir nos acontecimentos de uma maneira mais humana, menos mecânica.
       Nunca entendi porque o jornalismo faz isso com a gente. No começo, tudo nos surpreende. Depois de tanta notícia ruim, de tantas coisas negativas – da realidade local, nacional ou mundial – dos bombardeios de informação, da velocidade da internet, vamos endurecendo, ‘a casca fica mais grossa’ e ficamos menos sensíveis. Tenho lutado contra isso todos os anos em que descobri que o jornalismo era o que queria pra mim.

       Até porque eu não entendo muito bem porque as emoções são ‘jornalistacamente incorretas’. Porque não expressar o que se sente? Porque devo deixar o meu eu emocional de fora da história?
       Como ser impessoal e não expor aos outros que a dor que vejo não me causa a menor emoção? Como deixar de lado a compaixão, a subjetividade que me aperta o peito diante de tantas desgraças, de um gesto delicado? De uma cena que me bateu forte? É uma prática dolorosa não esquecer de conjugar os verbos em primeira pessoa e saber que há ocasiões e ocasiões em que posso fazer isso.
       No lead, não cabem minhas emoções. Em espaço de duas colunas com trinta e cinco toques eu não digo um título que abarque o instante único. Um relato de vida é suficiente para encher o meu peito de vontades e emoções que não posso colocar no papel. Será que se fizesse diferente ninguém teria tempo de ler ou estariam todos acostumados com a informação mecânica do onde, como, porque e para quem, que todo jornalista precisa responder?
       É por isso que também amo a literatura, na sua liberdade de dizer o que quiser e bem se entende. Posso dizer nada e com isso, dizer tudo. Criar um mundo como bandeira idealizou, indo para pasárgada, porque lá sim tudo era melhor. Escrever bobagens, mas o que se sente. Mesmo que depois diga-se que não foi um bom livro, em cada página vive-se um determinado momento de uma emoção específica que se acaba na última página e não mais retorna. Abre espaço para que o autor, a autora coloque em outro livro, outras idéias, outras emoções, outras histórias.
       Penso se seria possível unir as duas paixões e com isso, quebrar as regras de um e de outro. Jornalismo não é literatura. Literatura nunca será jornalismo. Será? Para Antônio Olindo que definiu o jornalismo como a “literatura sobre pressão” o encontro é possível, depende de quem vê. Não narrativas as histórias contadas nos jornais?
       Enquanto as regras me impedem de atuar em primeira pessoa, mantenho uma parte de mim ainda do outro lado da porta. Reconheço que em um, preciso ser a pessoa que conta, distante e mecânica. Entendo que no outro, excedo nas emoções. Hoje, estou dividida entre amores que tem sua essência nas palavras.


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